— Mãe, como era o Natal quando eras pequena? — perguntou Clara, com os olhos brilhando de curiosidade enquanto me ajudava a decorar a árvore de Natal recém-comprada numa loja de decoração.
Sorri, pousei o enfeite que tinha nas mãos e sentei-me no sofá, puxando-a para junto de mim. Com a luz suave a piscar atrás de nós, comecei a contar:
— Sabes, Clara, o Natal no meu tempo era um bocadinho diferente do que temos agora. Não havia tantas luzinhas ou decorações elaboradas como estas, mas tínhamos algo muito especial. A magia vinha das coisas mais simples como dos cheiros da cozinha, das músicas que ouvíamos e da alegria de estarmos todos juntos.
Clara inclinou a cabeça, curiosa. — O que faziam de especial?
Olhei para o vazio, como se fosse viajar no tempo. — O Natal começava antes do dia 24. Eu e os teus avós íamos à floresta apanhar musgo para fazer o presépio e procurávamos sempre o mais verdinho e fresco. Aproveitávamos e também escolhíamos o pinheirinho que ia ser a nossa árvore de Natal desse ano. Quando chegávamos a casa, o avô colocava o pinheiro num vaso no cantinho da sala, e eu ajudava a espalhar o musgo para montar o presépio. As figurinhas eram de barro, e algumas estavam um bocadinho partidas, mas isso só tornava tudo mais especial.
— E não enfeitavam a árvore? — perguntou Clara, surpresa.
— Claro que sim! Decorávamo-la com bolas coloridas, fitas de cetim e luzinhas a piscar, sem esquecer da estrela sempre no topo. Tudo muito simples, mas lindo.
— E como era o teu dia de Natal? — quis saber Clara, ajeitando-se para ouvir melhor.
Sorri, já embalada pelas memórias. — O dia 24 era o mais especial. De manhã, a rádio lá de casa só tocava músicas de Natal, gravadas em cassetes antigas. Eram as mesmas todos os anos: “Jingle Bells”, “Noite Feliz” … até já sabíamos a ordem de cor! O dia era passado na cozinha. Eu, os teus avós e o tio João fazíamos filhoses, rabanadas, sonhos e até bolo-rei que a avó insistia em amassar com as mãos, dizia que só assim ficava perfeito.
— Tu ajudavas? — perguntou Clara, com um sorriso maroto.
— Claro! Ou melhor, atrapalhava mais do que ajudava. Lembro-me de um ano em que tentei polvilhar as rabanadas com canela e acabei por deixar cair o frasco inteiro no chão. Fiquei de castigo por uns minutos, mas depois a avó riu-se e disse: “É Natal, vamos esquecer isso!”
Clara riu-se também, imaginando a cena. — E depois?
— Ao final da tarde, tomávamos banho e vestíamos a nossa melhor roupa. O vestido que eu usava era sempre o mesmo, um vermelho com uma gola branca que tinha sido bordada pela avó. Adorava aquele vestido, sentia-me como uma princesa com ele vestido. A mesa da sala era decorada com uma toalha cheia de pinheirinhos, velas, e arranjos de azevinho feitos pela avó.
— E havia muita gente? — quis saber Clara.
— Sim, todos vinham. Os teus bisavós, tios, primos… A casa ficava cheia e animada. Sentávamo-nos à mesa para a ceia onde era servido bacalhau cozido com batatas e couves, como manda a tradição. Mas o que eu mais gostava eram as sobremesas, como as rabanadas, os sonhos e os chocolates.
Depois do jantar, íamos para a sala e começava a parte mais divertida.
— O quê? — perguntou Clara, os olhos brilhando.
— Filmes e espetáculos! — exclamou Ana. — Os adultos sentavam-se enquanto bebiam o seu chá ou vinho do Porto, e nós, as crianças, inventávamos peças de teatro ou recitais de música e atuávamos para eles. Normalmente acabávamos a rir porque ninguém conseguia decorar os textos como devia de ser. Depois, quando nos cansávamos, sentávamo-nos no sofá e víamos o “Sozinho em Casa” na televisão, o meu filme de Natal favorito.
Clara riu-se, imaginando a confusão. — E ficavam acordados até à meia-noite?
— Queríamos muito, mas raramente conseguíamos. Tentávamos resistir, mas acabávamos por adormecer no sofá. Lembro-me de um ano em que me escondi atrás das cortinas para tentar ver o Pai Natal e só acordei de manhã, no mesmo sítio, com a minha mãe a chamar-me para ir abrir os presentes.
— E os presentes? Eram muitos? — perguntou Clara, a sonhar com pilhas de embrulhos.
— Não eram muitos, mas eram especiais. De manhã, o pai e a mãe acordavam-nos com entusiasmo, dizendo: “Vamos ver o que o Pai Natal deixou!” Corríamos para a lareira, onde os presentes estavam cuidadosamente colocados, cada um com etiquetas muito bonitas com os nossos nomes. Mas o mais mágico era que, para além das prendas, o Pai Natal deixava sempre um postal para cada um de nós. Tinham desenhos de bonecos de neve ou de aldeias de Natal e mensagens escritas à mão, como: “Para a Ana, que foi uma menina muito corajosa este ano” ou “Que a alegria da Ana continue a iluminar a vida de todos.” Guardei todos esses postais comigo, se quiseres, mostro-tos um dia.
Clara suspirou, maravilhada. —Claro que sim!
— E sabes, Clara? Uma vez, tenho quase a certeza de que vi o trenó do Pai Natal.
— A sério? — exclamou Clara, com os olhos arregalados.
— Sim, juro. Acordei a meio da noite, e quando olhei pela janela, vi uma luz a mover-se no céu. Era como uma estrela, mas parecia estar a fugir. Aposto que era o trenó do Pai Natal a caminho de outra casa.
— O Natal no teu tempo era tão mágico, mãe — diz Clara.
— O Natal era mágico porque estávamos todos juntos, Clara. E sabes que mais? Podemos trazer um bocadinho dessa magia para o nosso Natal também.
— Podemos fazer peças de teatro? — perguntou Clara, entusiasmada.
— Claro! — respondi. — E cozinhar juntos, ouvir músicas de Natal e, quem sabe, até procurar o trenó do Pai Natal no céu.
Naquela noite, Clara fechou os olhos, imaginando-se a correr para a lareira na manhã de Natal, cheia de entusiasmo, tal como a mãe fazia em criança. Sentiu que a magia do Natal não tinha desaparecido, só esperava para ser redescoberta.
A forma como era festejado o natal antigamente, marcado por uma sensação de comunidade e simplicidade, parecia tornar a celebração mais autêntica e profunda. O Natal era vivido segundo as tradições locais e familiares, que dedicavam o seu tempo a preparar a festa e a partilhar momentos de cumplicidade. A celebração focava-se nas pequenas ações que criavam memórias duradouras, como cantar músicas em família ou preparar as receitas tradicionais em conjunto. Não havia tantas opções de produtos no mercado, o que fazia com que cada detalhe tivesse um toque pessoal e um significado mais profundo. As festas eram mais modestas e a união familiar era o ponto central, com várias gerações reunidas ao redor da mesa, partilhando histórias e receitas passadas de geração em geração. A magia estava nas pequenas coisas: a luz suave das velas, o cheiro das comidas caseiras e a expectativa de passar um tempo de qualidade com quem se amava.
Já o Natal moderno tende a ser mais acelerado e consumista. A abundância de produtos e a facilidade de compra transformaram a festividade em algo que pode ser vivido com menos envolvimento pessoal e com mais foco no que é material. Embora o consumo de produtos e a troca de presentes sejam elementos importantes do Natal, eles podem ofuscar os aspetos mais significativos da data, como o valor do tempo em família ou a criação de tradições próprias. O Natal tornou-se uma época marcada pelo consumo, e muitas vezes a pressão para fazer do Natal um evento "perfeito" pode resultar em stress e ansiedade, com grandes gastos e expectativas irreais.
Contudo, ambas as versões do Natal têm em comum o desejo de reunir pessoas e família e celebrar o amor, a generosidade e a união. A principal diferença está na forma como as pessoas escolhem viver essa celebração, sendo que, apesar das mudanças, a magia do Natal continua presente e atual. É possível recuperar a essência do Natal de antes, mesmo na modernidade, ao dar mais atenção às relações humanas, ao dedicar tempo para estar com quem se ama e a redescobrir os pequenos gestos de carinho e tradição.
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