A minha avó sempre foi uma figura querida na aldeia, conhecida pela sua alegria genuína e pelo coração generoso. Era impossível não a admirar: pequena em estatura, mas gigante em presença, com cabelos grisalhos apanhados num coque bem arranjado, avental à cintura e um olhar doce e firme que revelava a força de quem sempre viveu de forma simples e plena.
Todas as manhãs, ainda antes do sol nascer por completo, ela já estava de pé, posicionada à janela da cozinha com uma chávena de chá entre as mãos. Dali, apreciava o despertar tranquilo da aldeia: o chilrear dos pardais, o caminhar lento dos rebanhos que iam para o pasto e, ocasionalmente, o arrastar de passos de algum vizinho madrugador.
No bolso do avental, tinha sempre um pedaço de pão guardado para atirar migalhas aos gatos selvagens que passeavam no quintal. Com o tempo eles, habituaram-se a este gesto e passaram a aparecer regularmente, cada um com a sua personalidade. No entanto, numa dessas manhãs, um novo visitante chamou a atenção da minha avó. Era um gatinho pequeno, de pelagem castanha clara com reflexos dourados, quase como os raios de sol nas espigas de trigo. Tinha um ar desconfiado e uma postura muito reativa, que os outros não tinham. Enquanto os restantes gatos se aproximavam cautelosamente, este ficava à distância, sempre em alerta. Bastava que a minha avó tentasse aproximar-se para ele bufar e fugir num salto rápido.
“Tem o espírito de um rebelde,” disse ela ao meu avô, com um sorriso divertido. Mas ao invés de desistir, a minha avó sentiu-se desafiada e, por isso, decidiu conquistar o pequeno.
Ela começou a improvisar um espaço especial no quintal: pegou numa caixa velha de madeira, forrou-a com um cobertor macio e colocou uma tigela de comida ao lado. Todos os dias, deixava pequenos pedaços de carne ou pão no local, esperando que o pequeno visitante se sentisse confortável. Nas primeiras semanas, ele aparecia apenas quando a minha avó já tinha saído de cena, no entanto, a minha avó nunca desistiu. Passava horas a falar para o vazio, na esperança de que o gato ouvisse a sua voz e percebesse que ela não representava ameaça. “Está frio hoje, não te atrases,” dizia com um tom carinhoso, enquanto observava à distância.
Pouco a pouco, o gatinho começou a baixar a guarda. Primeiro, ficava escondido na caixa enquanto comia, depois, começou a sair da toca e, eventualmente, a deixar-se ver mais vezes. Um dia, inesperadamente, aproximou-se das pernas da minha avó e roçou-se nelas, tímido, mas confiante. A minha avó sentiu um calor no peito, era o primeiro sinal de aceitação.
O meu avô, por outro lado, achava graça à devoção dela. “Deixa lá o bicho, mulher. Gatos selvagens são ingratos. Não ficam,” dizia. Mas a minha avó apenas sorria, ela sabia que era uma questão de tempo até o pequeno confiar nela completamente. E tinha razão.
Uma manhã fria de inverno, quando o céu estava ainda pintado de tons alaranjados, o pequeno gatinho saltou para o colo dela enquanto estava sentada no banco do quintal. A minha avó ficou imóvel, com medo de o assustar. Foi nesse momento que decidiu: ia adotá-lo. E, assim, o batizou de Espiga, pela cor dourada do seu pelo que tanto a encantava.
O meu avô, no início, não ficou muito convencido com a ideia de ter um gato em casa, mas não resistiu por muito tempo, vendo o entusiasmo que o pequeno trazia à minha avó. Ela comprou-lhe tudo: uma cama confortável, brinquedos coloridos e até uma bolsinha vintage para guardar os documentos do novo membro da família. A primeira ida ao veterinário foi um desafio. O pequeno, assustado, miava sem parar, enquanto a minha avó o segurava no colo e lhe falava-com uma calma que parecia mágica. “Está tudo bem, Espiga. Estamos juntos,” sussurrava enquanto o acariciava.
Com o tempo, Espiga adaptou-se à casa. No início, ficava escondido, explorando apenas durante a noite, mas lentamente, começou a tomar conta de tudo: do sofá, do tapete da sala e, claro, do colo da minha avó, onde passava horas enroscado. Era um gato teimoso e profundamente afetuoso. A minha avó sentia-se rejuvenescida pela companhia dele, e o meu avô, ainda que não admitisse, também estava encantado, embora tivesse ciúmes das atenções que Espiga recebia.
Mas um dia, o inesperado aconteceu. Ao regressarem de uma consulta médica, encontraram a janela da sala aberta e o Espiga tinha desaparecido. A minha avó ficou em pânico. Procuraram por toda a casa, chamaram por ele no quintal, mas nada. O meu avô ligou-me aflito, e eu corri para os ajudar. Quando cheguei, encontrei a minha avó com os olhos cheios de lágrimas: “E se ele não volta?” disse-me, com a voz embargada. Eu sabia que precisava de a acalmar, mas também sentia a angústia dela.
Decidimos organizar a busca. A minha avó trouxe um saco de comida e uma tigela, e percorremos a aldeia, chamando pelo nome do gato. Falámos com os vizinhos, espreitámos nos quintais e até nos campos ao redor, mas ele parecia ter desaparecido sem deixar rasto. Quando já estávamos a perder a esperança, o telemóvel da minha avó tocou, era uma senhora de uma aldeia vizinha. Disse que tinha encontrado um gato pequeno, assustado e miando muito.
Pegámos no carro e fomos imediatamente ao seu encontro, quando chegámos, o coração da minha avó quase saltou do peito ao ver que era, de facto, Espiga. Assim que a viu, ele correu para os braços dela, como se estivesse a pedir desculpa por se ter perdido. “Ai, meu menino... nunca mais me faças isto!” dizia ela, entre lágrimas e risos.
De regresso a casa, a minha avó tomou uma decisão. Pegou numa tote bag antiga que usava frequentemente, cheia de desenhos de gatos, e passou a deixá-la com o Espiga sempre que saía de casa. Ele adorava o cheiro da avó e, surpreendentemente, começou a dormir dentro da bolsa. Às vezes, até o levava em passeios curtos, todo enroscado na tote bag, como se soubesse que aquele era o seu lugar seguro.
Agora, o Espiga é mais do que um gato, é um companheiro, uma luz que trouxe alegria e conforto à vida da minha avó e, secretamente, até à do meu avô, que já foi apanhado mais do que uma vez a dar-lhe mimos quando pensava que ninguém estava a ver.
É um conceito que reflete a profundidade do cuidado que demonstramos ao dar tempo, espaço e atenção ao outro, seja um ser humano ou um animal. Não é sobre esperar passivamente, mas estar presente de forma ativa, respeitando o ritmo natural de crescimento, de confiança ou de mudança do outro. Esta atitude paciente é uma manifestação de amor maduro e altruísta, que prioriza o bem-estar do outro acima das nossas expectativas ou pressa.
Na história, a avó não força o contacto com o Espiga. Pelo contrário, ela adapta-se ao tempo e à disposição dele. Ao criar um espaço seguro, ao falar-lhe com calma e ao evitar movimentos bruscos, ela demonstra um amor que não é invasivo, mas que permite ao outro abrir-se no seu próprio tempo. Este tipo de paciência é essencial em qualquer relação, pois respeita a individualidade e os limites do outro. Em relações humanas, a paciência pode ser vista quando alguém espera que o outro esteja pronto para partilhar algo, tomar uma decisão ou superar um desafio emocional. É um amor que não pressiona, mas que sustenta e acompanha. A avó não desiste de conquistar o gato, mesmo quando ele foge ou parece indiferente. A sua persistência não é autoritária, mas cheia de ternura. Ela não tenta forçar o gato a confiar nela, em vez disso, ela cria condições para que ele, por escolha própria, se sinta seguro para se aproximar. Este é um exemplo de como a paciência é uma demonstração de amor que não exige reciprocidade imediata, mas acredita que o outro pode, eventualmente, corresponder. A paciência, assim, revela-se como uma forma de amor que não precisa de palavras ou gestos grandiosos. É discreta, mas poderosa, e muitas vezes é o que sustenta os laços mais profundos e duradouros na vida.
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