Era já o quinto jantar de Natal a que ia naquele mês de dezembro. O frio cortante lá fora contrastava com a abundância de comida, conversas e risos em cada uma das celebrações.
Dezembro sempre foi a minha altura favorita do ano, mas todos estes rituais começavam a trazer um leve cansaço e uma certa inquietude. Claro que é maravilhoso reunir amigos e família, recordar histórias antigas, atualizarmo-nos com as novidades na vida de cada um… Mas havia algo que, naquele ano, me parecia diferente.
Cinco jantares significavam também cinco vezes a brincadeira do amigo-secreto, e cinco presentes para levar para casa. Apesar de úteis ou bonitos, os objetos começavam a perder o significado, pois são facilmente substituídos por outros.
Desta vez, trouxe comigo uma caneca natalícia. Era realmente bonita, decorada com uma ilustração vintage do Pai Natal a sorrir docemente. Olhei para ela enquanto estava sentada num banco no autocarro a caminho de casa. “Sem dúvida, uma peça adorável”, pensei, passando o dedo pelo contorno da imagem.
Mas uma pergunta começou a ecoar dentro de mim: Será que é realmente isto o Natal? Receber coisas uma atrás da outra? Não era uma questão de ingratidão. Era algo mais profundo, algo que não conseguia definir. A magia do Natal, aquela sensação única que sempre me aquecia o coração quando era criança, parecia-me cada vez mais distante.
Olhei pela janela. As luzes da cidade refletiam-se nos vidros embaciados pelo vapor da respiração dos passageiros. As montras piscavam com decorações exageradas, as ruas estavam repletas de gente carregando sacos cheios de compras.
Na paragem seguinte, um senhor entrou, encolhido no seu casaco comprido, com um cachecol de lã apertado ao pescoço. Trazia uma boina velha, e as rugas no rosto desenhavam anos de histórias e resiliência. Enquanto caminhava pelo corredor com passos hesitantes, apressei-me a afastar o casaco que ocupava o lugar ao meu lado. Ele olhou-me, surpreso, e agradeceu com um aceno educado antes de se sentar.
Durante algum tempo, seguimos em silêncio, embalados pelos solavancos do autocarro. O senhor olhava pela janela com um sorriso suave.
Finalmente, disse: "Como é linda a cidade assim iluminada, não acha?" Concordei, embora não tivesse reparado com atenção nas luzes até aquele momento. A sua voz tinha um tom quente, como quem encontra beleza em tudo o que o rodeia.
Decidi perguntar: "O senhor gosta do Natal?" Ele suspirou, e por um momento, pareceu que ia guardar a resposta para si.
Depois, com um olhar melancólico, respondeu: "Sim, gosto. É a altura em que vejo a minha filha e a minha neta. Durante o ano, quase não as vejo... Cada uma segue o seu caminho, e é como deve ser." Hesitou, como se pesasse as palavras.
Prosseguiu: "Sabe, perdi a minha esposa há alguns anos. Desde então, as coisas mudaram. Claro que me esforço por aproveitar as pequenas alegrias da vida, mas, às vezes, sinto-me tão só." O seu olhar agora fixava-se no vidro embaciado, mas era evidente que a mente estava noutro lugar. "Gostava de estar mais vezes com elas", continuou, "mas a minha filha é muito ocupada. Sempre lutou por uma vida melhor para ela e para a minha neta. Eu… eu orgulho-me disso, mas também sinto que sou um pedacinho de um passado que ela tenta deixar para trás. Nunca falei com ela sobre como me sinto."
Estas palavras deixaram-me em silêncio, eram muito pesadas. Perguntei, hesitante: "Porque não experimenta falar com ela sobre isso? Pode ser que ela nem saiba o quanto deseja passar mais tempo com ela." O senhor abanou a cabeça, suspirando. "Não… Nunca soube bem como dizer-lhe. Tenho medo de parecer fraco ou de estar a cobrar algo. E, sabe, nem sobra muito da minha reforma para lhes oferecer algo no Natal. Às vezes, penso que é melhor não me intrometer."
Olhei para ele com uma vontade súbita de quebrar a distância. Peguei na caneca que até então estivera a segurar distraidamente. "O Natal não devia ser sobre as coisas, sabe? Eu recebi esta prenda há pouco, mas sinto que será mais valiosa para a sua filha do que para mim. Tenho a certeza de que ela vai adorar." Estendi-lhe a caneca, e ele olhou para mim, espantado, os olhos a brilhar numa mistura de incredulidade e emoção. "Menina… Por que está a fazer isto? Nem me conhece." Sorrindo, levantei-me enquanto o autocarro abrandava para a minha paragem. "Porque o senhor também me ajudou", disse-lhe. “Ao compartilhar o seu coração comigo, eu senti o que há muito não sentia. O Natal são momentos, partilhas e gestos como estes. Está nestes pequenos detalhes, nestas pequenas interações e entreajudas. Muito obrigada”
Ele olhou a caneca por um instante, pensativo, como se algo estivesse a ser processado dentro dele. Antes que eu saísse do autocarro, ele disse, com uma calma que eu não esperava, mas que me tocou profundamente:
"Eu sempre temia não ser suficiente para minha filha. Que o que eu tinha a oferecer fosse pouco. Mas você tem razão... Não nos podemos medir a nós mesmos pelo que podemos dar. O Natal, menina, é o momento de nos darmos verdadeiramente, de abrirmos o coração para quem amamos, mesmo sem esperar nada em troca. O maior presente que podemos dar, nem sempre é aquilo que compramos, mas aquilo que somos."
Aquelas palavras caíram dentro de mim como se eu fosse uma folha sendo suavemente tocada pelo vento. Ali, naquele simples autocarro, aquela troca de palavras fez-me ver as coisas com um novo olhar.
- “Feliz Natal” - disse-lhe.
- “Feliz Natal” - Respondeu ele!
E ia ser certamente um Feliz Natal.
A história retrata uma jornada emocional profunda, onde o narrador, inicialmente apático e sem esperança com a excessiva materialidade das celebrações natalinas, acaba por redescobrir o verdadeiro espírito do Natal. A frase "as pessoas fazem o Natal" reflete uma das verdades mais profundas sobre o significado desta época do ano. Embora as decorações exuberantes, as luzes cintilantes e os presentes sejam símbolos visíveis do Natal, são as pessoas, com as suas atitudes, sentimentos e interações, que realmente tornam esta data especial.
Num mundo que constantemente nos empurra para a superficialidade do consumo, o Natal pode facilmente perder esta sua essência. Muitas vezes, é transformado numa corrida para comprar presentes, decorar a casa ou preparar a ceia perfeita. No entanto, quando nos afastamos dessas expectativas e voltamos ao cerne da questão, percebemos que o verdadeiro espírito de Natal não está nos objetos, mas na forma como nos relacionamos uns com os outros.
As pessoas são o coração do Natal. O verdadeiro significado reside nas conexões que fazemos, no tempo que passamos juntos, na empatia, na compreensão e no apoio mútuo. São os gestos de carinho, o cuidar dos outros, o oferecer de si, o dedicar tempo ao próximo. O Natal torna-se uma época de resgatar relações afetivas, de fazer gestos de solidariedade e, até, de reconciliar diferenças. Muitas vezes, essas conexões se expressam em pequenos momentos que parecem simples, mas que carregam uma profundidade imensa: uma conversa sincera, uma visita a um amigo, um gesto de generosidade para quem mais precisa.
Assim, a frase “as pessoas fazem o Natal” implica que o Natal se constrói através da nossa capacidade de nos abrirmos uns aos outros, de cuidarmos do bem-estar do próximo e de criarmos lembranças emocionais que são mais preciosas do que qualquer presente material. Este é o momento de celebrar as relações, fortalecer os laços afetivos e, mais importante ainda, de reforçar a ideia de que o Natal vai muito além do que é dado materialmente.
Feliz Natal e um Próspero Ano Novo!!
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