Era uma noite de sábado, e eu estava sozinha em casa, acompanhada apenas pela minha televisão. Entre zappings distraídos, uma entrevista captou a minha atenção. Uma atriz famosa recordava com carinho a sua mãe, falando das histórias que ela lhe contava, dos conselhos que recebia e dos gostos que partilhavam. Por algum motivo, aquela conversa tocou-me profundamente. Já há algum tempo que não visitava a minha mãe, e embora fossemos muito próximas, havia ainda muitas coisas sobre ela que eu desconhecia.
De repente, uma ideia surgiu na minha mente: amanhã, vou visitá-la, almoço lá e passo a tarde na sua companhia. Mal acordei, peguei no telefone e liguei-lhe a avisá-la dos meus planos. Depois, pus-me a caminho, mas antes de chegar a sua casa, decidi parar numa loja que adorava. Uma loja vintage, onde sempre encontrava algo que me encantava, desde canecas a cadernos, com uma beleza intemporal e toque especial de nostalgia. Na loja, avistei algo que imediatamente me fez pensar na minha mãe: um puzzle com um design tipo “Botanic chart”, cheio de flores e plantas, algo que eu sabia que ela adoraria. Visualizei-o de imediato pendurado numa das suas paredes, rodeado pelas plantas que cuidava com tanto carinho.
Quando cheguei à casa da minha mãe, fui recebida com muitos beijinhos e abraços, como sempre. E claro, com um almoço delicioso, típico das mães: arroz de pato, acompanhado por uma boa salada, e uma sobremesa de arroz doce que só ela sabia fazer. Após a refeição, relaxada e cheia de saudades, olhei para ela e disse com um sorriso:
— "Mãe, trouxe-te uma prendinha!"
Ela sorriu e abriu os olhos em surpresa quando lhe entreguei o puzzle.
— "Pensei que podíamos passar a tarde a montá-lo enquanto conversamos. O que achas?"
Ela olhou para mim com carinho, tocou no puzzle com as mãos e respondeu, genuinamente emocionada:
— "Oh, filha, que prendinha tão bonita! Já há muito tempo que não faço puzzles, mas aceito o desafio! Vai ser uma tarde muito bem passada."
Sentámo-nos à mesa da sala, afastando cuidadosamente a jarra de flores que estava ali a decorar. Abri o tubo do puzzle e, com delicadeza, retiramos o pano de musselina que envolvia as peças, espalhando-as pela mesa. Delineamos a nossa estratégia de montagem, as peças espalhadas como um emaranhado de cores que aos poucos se iriam encaixando. O tempo parecia passar lentamente, enquanto as peças se iam unindo, mas a conversa entre nós fluía rapidamente.
Após alguns minutos, sem conseguir conter a curiosidade, perguntei:
— "Mãe, gostava de saber um pouco mais sobre ti. Como foi a tua infância?"
Ela respirou fundo, com um sorriso melancólico a percorrer-lhe o rosto, antes de começar a falar:
— "Oh filha, por onde começar? Como sabes, eu era a mais nova de cinco irmãos. Partilhava o quarto com a Tia Manuela e a Tia Linda. Dormíamos as três numa cama de ferro que rangia sempre que nos mexíamos, mas nunca reclamávamos. A vida era simples, e o nosso pequeno-almoço quase sempre consistia numa fatia de pão com azeite e, se tivéssemos sorte, um pouco de leite de vaca. No inverno, a lareira aquecia a casa, mas sempre havia muito trabalho, desde cuidar dos animais até ajudar a minha mãe com as tarefas domésticas. Pegava no balde e ia com algum dos meus irmãos até ao curral dar comida e água às galinhas e às cabras. Depois, ia para a escola, que ficava a meia hora a pé de casa, fazendo o caminho com outras crianças da aldeia, saltando sobre as pedras do carreiro. As roupas eram simples, muitas vezes herdadas dos meus irmãos mais velhos, mas ninguém se importava. A professora era muito severa, sempre com uma régua na mão, e as aulas começavam sempre com uma oração. Depois, fazíamos ditados, liam-se trechos sobre como ser um "bom cidadão" e resolvíamos contas na ardósia. Eu gostava de aprender, mas estava sempre atenta para não cometer erros, pois os castigos eram pesados."
Maria fez uma pausa, parecendo reviver aqueles tempos na sua memória.
— "Quando a escola acabava, ia ajudar a minha mãe com o que fosse necessário. Carregava feixes de lenha para o forno, regava a horta, estendia a roupa no quintal. Se sobrasse algum tempo, brincava com os meus irmãos e com as outras crianças da aldeia. Fazíamos corridas, jogávamos à macaca ou inventávamos histórias. Depois, uma sopa com legumes do quintal e um pedaço de broa de milho, e era hora de dormir. Mas antes de deitar, sempre rezava uma oração ao anjo da guarda. Apesar da dureza, a minha infância foi feliz. O meu pai trabalhava muito e era um homem de poucas palavras, mas sempre me deu o apoio que eu precisava. A minha mãe, que sabia o quanto a vida era difícil, incentivou-me sempre a estudar. Acreditava que a educação poderia oferecer-me um futuro melhor."
Eu ouvi-a atentamente, olhei para ela, profundamente tocada, e perguntei:
— "E depois, mãe? Como foi a tua adolescência?"
Ela sorriu, fazendo uma pausa no que estava a dizer, antes de continuar:
— "Com 12 anos, a minha mãe tomou uma decisão ousada. Viu que eu gostava de aprender e, por isso, decidiu mandar-me para a cidade para continuar os estudos, na esperança de que pudesse tornar-me professora. Foi um grande sacrifício para a família, mas ela acreditava que a educação abriria portas para um futuro melhor. Eu tinha uma irmã mais velha, a Tia Laurinda, que já trabalhava e ajudava nas despesas de casa. Sem ela, não teria sido possível. A minha mãe foi falar com uma prima que vivia na cidade, para ver se ela me podia acolher enquanto estudava. A mudança foi enorme para mim, que só conhecia a tranquilidade da aldeia, por isso, os primeiros dias foram difíceis, a cidade parecia grande, rápida e barulhenta."
Ela fez uma pausa, refletindo sobre aquele tempo, e continuou:
— "Na casa da prima, eu dividia um pequeno quarto com a filha dela. Acordava antes do sol nascer, lavava-me na cozinha e tomava um pedaço de pão com leite. Para ajudar nas despesas, fazia pequenos trabalhos, como costurar ou buscar água, e às vezes, escrevia cartas para vizinhos que não sabiam ler em troca de moedas. Quando a noite chegava, sentava-me à luz de uma lamparina a estudar, pois a minha mãe sempre dizia: 'O estudo é o teu trabalho agora.' Comecei a fazer novas amigas, e aos fins de semana passeava pela praça da cidade. Descobri novas músicas no rádio e livros que nunca tinha visto na aldeia."
Eu olhei para ela, maravilhada com tudo o que estava a ouvir.
— "Não sabia nada disso, mãe! E como conheceste o pai?"
Ela sorriu, os olhos brilhando ao recordar aqueles momentos.
— "Quando terminei os estudos, voltei à aldeia. A professora tinha-se reformado e agora era eu quem ficava a lecionar naquela escola. Foi lá que conheci o teu pai, ele tinha regressado da França, onde os pais haviam imigrado. Trabalhava como carpinteiro na oficina que tinha aberto com o pai. A primeira vez que o vi foi na festa do santo padroeiro da aldeia, cheia de música, danças e comida, ele convidou-me para dançar e eu aceitei. Depois, com o pretexto de me ver, ofereceu-se para melhorar o mobiliário da escola e começámos a ver-nos mais regularmente. O nosso namoro cresceu, e com o tempo, casámos na igreja da aldeia, com a bênção dos meus pais."
Eu continuei a ouvir atentamente, ainda mais curiosa.
— "E depois, mãe, como viemos parar aqui?"
Ela olhou para mim e disse com uma nostalgia suave:
— "Um dia recebi uma carta com um convite para trabalhar numa escola maior, aqui, na cidade. A oferta era tentadora: um cargo mais avançado, com mais recursos e a possibilidade de ensinar uma maior diversidade de crianças. Além disso, a cidade oferecia melhores condições para quem queria crescer profissionalmente. Quando falei desta proposta ao teu pai, ele disse: 'Maria, vai e eu vou contigo. Sempre sonhei em expandir a minha oficina e se a cidade for uma oportunidade para isso, eu vou também. Podemos criar uma vida nova lá, juntos.' E foi uma boa decisão, adoramos viver aqui e fomos muito felizes."
Eu sorri e perguntei, tocada:
— "E que sonhos deixaste para trás, mãe?"
Ela suspirou, pensativa, antes de responder:
— "Às vezes penso que a minha verdadeira paixão teria sido veterinária, para cuidar dos animais. Também adorava ter uma casa no campo, com a minha hortinha e as minhas plantas. Talvez tenha deixado a juventude passar um pouco depressa, mas eram outros tempos. E quem sabe, agora que a vida nos oferece mais possibilidades, eu e o teu pai ainda vamos a tempo de viajar o mundo. Nunca se sabe!"
Eu sorri, emocionada, e agradeci-lhe com o coração cheio:
— "Uau, mãe, que grandes planos! Gostava muito que os realizasses. Obrigada por tudo o que fizeste por mim e por esta conversa! Sem nos darmos conta, passou uma tarde inteira, e já terminámos o puzzle. E com certeza, vou daqui mais rica."
Ela tocou nas peças, sorrindo.
— "Obrigada eu, filha, por me teres feito recuar no tempo e trazer estas memórias tão boas. E ainda ganhei um puzzle lindíssimo que vou colocar ali, junto às flores. Também este puzzle me recorda dos cheiros da minha infância e das imagens dos livros dos tempos em que comecei a dar aulas. Foi uma verdadeira experiência imersiva. Obrigada, filha."
E assim, com o puzzle montado e as nossas almas mais próximas, passámos a tarde a partilhar histórias e a aprender uma com a outra.
Esta história é um bom exemplo de como as conversas simples, muitas vezes em momentos descontraídos, podem abrir portas para um mundo de memórias e emoções que nos ligam de forma profunda à nossa família e à nossa história. O encontro entre a filha e a mãe, através do puzzle e das histórias que surgem, revela algo muito mais poderoso: a importância de conhecermos as histórias dos nossos entes queridos.
Muitas vezes, estamos tão focados no presente ou na rotina das nossas vidas, que esquecemos de parar e refletir sobre o passado daqueles que mais amamos. As histórias que essas pessoas carregam não são apenas pedaços de informação sobre o que viveram, mas sim fragmentos daquilo que nos molda, do que nos conecta a uma herança emocional e cultural que, muitas vezes, está invisível para nós.
As experiências da mãe da protagonista, como a sua infância simples na aldeia, os desafios da adolescência e as escolhas feitas ao longo da vida, são as mesmas que a filha, consciente de sua própria experiência de vida, começa a valorizar. As escolhas da mãe, o seu amor por animais e a sua ligação ao campo, são revelações que não apenas pintam um quadro do passado, mas ajudam a filha a entender melhor os sentimentos, sonhos e motivações que moldaram sua própria vida.
Conhecer essas histórias é, em última instância, um exercício de empatia e reconciliação com o que nos torna quem somos. As conversas com os mais velhos, e o simples ato de ouvir e partilhar, ajudam a preencher lacunas na nossa compreensão. As histórias que nos contam falam tanto do que fizeram como do que sonharam, do que realizaram e do que deixaram para trás. Muitas vezes, são nas histórias não contadas, nos detalhes que ficam à margem, que encontramos as verdadeiras lições de vida. E talvez, ao tomarmos conhecimento desses momentos, possamos aprender a valorizar mais as pequenas coisas, que no dia-a-dia nos passam despercebidas.
Além disso, essas histórias formam um elo de ligação entre as gerações. A conversa entre mãe e filha, à medida que montam um puzzle, é também uma oportunidade de conexão, de dar continuidade a um ciclo de memórias, onde o passado é transmitido ao presente, e o futuro se constrói sobre esses alicerces.
Por fim, ouvir as histórias dos nossos entes queridos é uma maneira de preservar a nossa própria identidade, respeitar e valorizar o legado que nos foi deixado, e criar um vínculo ainda mais forte com aqueles que, no fundo, nos ensinaram o que significa ser quem somos.
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